MEMORANDO SOBRE A
SITUAÇÃO
DO PINHEIRO DAS AREIAS
I - BREVE REFERÊNCIA
HISTÓRICA E CULTURAL SOBRE O PINHEIRO DAS AREIAS
A população do Vale de Santarém,
ao longo das épocas, foi-lhe dando o nome de “Pinheiro das Areias”, designação
que lhe ficou para sempre, associada ao facto de se tratar de uma árvore de
grande envergadura, que foi crescendo de modo invulgar naquele local, em solo
areento, certamente de pinhal outrora e que, tendo ficado sem concorrência de
outros pinheiros durante muitos anos, veio a ganhar a notoriedade pelo seu
muito largo tronco de base (cerca de 8 metros, atualmente) e pela sua copa, de
grande envergadura e área que ocupa.
Pela sua notável particularidade,
ainda por cima situado num local elevado em relação a muitos pontos da
povoação, o Pinheiro e a zona que ele ocupa foram ganhando, ao longo dos anos,
um lugar destacado nos sentimentos da população da terra, vindo a ser crescentemente
preferido para actos comunitários, populares, como: lugar permanente de
brincadeiras de crianças, passeios de namorados, festas de casamentos e outros
festejos. Também foi sendo um local preferido por grupos da etnia cigana que,
chegando ao Vale de Santarém, se habituaram a encontrar ali um local seguro
para as suas permanências na terra, enquanto não partiam para outros lugares.
Assim, do ponto de vista social, comunitário, o pinheiro e o seu chão, passaram
a ter, no povo do Vale de Santarém, um lugar especial, como elemento de
identificação, na dupla asserção: o nosso pinheiro/o pinheiro do Vale.
Na verdade, o pinheiro sempre teve
um dono, pois situa-se em propriedade privada e, embora sobre isso não existam
dúvidas na população, ele é visto e sentido como pertença da população,
obviamente só pela razão de que, devido à ligação histórica, sentimental,
àquela árvore excepcional, todos acabam por dizer “o nosso pinheiro das
areias”. E, é de tal modo forte, concreta, essa identificação sentimental e
histórica, que, aquando da escolha dos símbolos representativos da nossa terra,
para figurarem no brasão da vila, o “pinheiro das areias” foi um dos elementos
escolhidos, e assim ficou consignado.
Note-se, ainda, que o pinheiro,
por proposta apresentada pela Junta de Freguesia da altura, foi em 1992
classificado de “interesse público”, conforme publicado no Diário da República
n.º 17, II Série de 21.05.92. Pelas observações que terão sido feitas, o
pinheiro teria, então, cerca de 350 anos, embora nada de peremptório tenha sido
dito a este respeito. De então para cá, consignada essa classificação formal,
que implica certas consequências ao nível do acompanhamento e gestão da vida de
uma árvore com tal classificação, por parte das entidades oficiais a quem tal
compete, a população do Vale de Santarém, assim como o proprietário do terreno
e do pinheiro em causa, passaram a ter razões suficientes para se sentirem
ainda mais regozijados com tal estatuto para a sua árvore, desejando
naturalmente que a classificação de que foi objecto fosse facilitadora dos
cuidados de que já então necessitava.
II – A SITUAÇÃO PRECÁRIA DO PINHEIRO DAS AREIAS, AO LONGO DOS ANOS E,
EM ESPECIAL, NAS ÚLTIMAS DÉCADAS.
Das informações que conseguimos
obter, ressalta a de 1947, numa crónica de Augusto Oliveira d’Almeida, no
jornal Correio do Ribatejo, que, no que respeita ao Pinheiro das Areias, diz o
seguinte (ortografia da época):
“Não
quero terminar esta ligeira crónica, rabiscada à sombra do velho «pinheiro das
areias», sem lembrar aos meus conterrâneos a conservação daquela secular
árvore, que deve ser, se ainda o não foi, considerada de interesse público.
A-pesar-de ter sido mutilado pelo ciclone de 1941, o velho pinheiro das areias
é uma das árvores mais lindas do país, na sua espécie. Já resistiu a numerosas
crises de falta de combustível e eu acho que praticaria um imperdoável acto de
vandalismo quem o mandasse destruir. Até a nómada raça de ciganos condenaria um
tal acto. É que aquele velho pinheiro foi sempre a pousada mais cómoda e
económica que as várias tribus de ciganos encontraram na sua passagem por esta
povoação. Ainda eu era «menino e moço» e já os ciganos se acoitavam sob a copa
daquela frondosa árvore. Ali faziam êles as suas festas pantagruélicas,
manducando a carne de algum suíno que morria por doença e cujo dono mandava
enterrar nas areias mais próximas… A garotada da aldeia assistia àquelas festas
com grande interesse e notava que os ciganos nunca adoeciam por ter comido
carne morrinhosa… Bons tempos de outr’ora !…
Vale de Santarém, Julho de 1947
Augusto Oliveira d’ Almeida”.
Portanto, pelo menos em 1941, e
por acção do ciclone ocorrido nesse ano, o “pinheiro das areias” havia sofrido
uma mutilação, da qual não sabemos pormenores, ainda. Do que aconteceu antes
dessa data, nada conseguimos apurar.
No entanto, pelo que a população
da nossa terra veio notando posteriormente, e, sobretudo após o 25 de Abril de
1974, por acção da Junta de Freguesia, começou a ser entendido que o “pinheiro
das areias” começava a evidenciar necessidades de protecção e preservação, pois
as enormes pernadas, com o peso, começavam a inclinar-se para o solo e, também,
com a perda de areias em seu redor, as raízes, projectando-se para longe,
acabavam por ir ficando descobertas.
Perante tal situação, a
Assembleia de Freguesia do Vale de Santarém veio a aprovar em 2012, por
unanimidade, uma moção, que foi entregue à Câmara Municipal de Santarém, no
sentido de que fossem tomadas medidas perante a situação em que se encontrava a
árvore, considerada “património de elevadíssimo valor ecológico, paisagístico,
cultural e histórico”.
Não tendo havido qualquer
evolução depois desse acto, o Movimento Ecologista do Vale de Santarém, criado
em Agosto de 2013, viria a retomar o assunto, através de diversas publicações,
a que se sucedeu um abaixo-assinado e uma petição pública, em Março de 2015, que
colheram, no conjunto, mais de 700 assinaturas. Estes documentos foram entregues
à Junta de Freguesia do Vale de Santarém, que informou tê-los feito seguir para
a Câmara Municipal e para o Instituto de Conservação da Natureza e Florestas.
Entretanto, em Fevereiro de 2016,
por acção de um vendaval, o “pinheiro das areias” veio a perder uma das suas
enormes pernadas. Alertadas as autoridades, a pernada, no solo, foi cortada e
retirada do local, mas nada foi feito para a preservação do pinheiro, quanto ao
que restou da pernada que quebrou, a qual ficou exposta aos elementos da
natureza.
Em face de tal situação, e
através de contacto directo, pessoal, com o Instituto de Conservação da
Natureza e Florestas, no CNEMA – Santarém, ficámos a saber, posteriormente, que
estava a ser equacionada uma intervenção, com vista à protecção da parte
exposta, em data a anunciar. Mas nada foi feito nesse sentido.
III – QUE FUTURO PARA O PINHEIRO DAS AREIAS, SÍMBOLO HISTÓRICO E
SENTIMANTAL DA POPULAÇÃO DO VALE DE SANTARÉM?
Em face do que antecede, e
conscientes de que interpretamos o sentimento generalizado da população do Vale
de Santarém sobre o assunto, e tendo ainda em conta a classificação oficial
desta notável árvore, como exemplar de “interesse público”, que lhe foi
atribuída, manifestamo-nos preocupados com o arrastamento de medidas concretas.
Em rigor, nada foi feito, até hoje, apesar das chamadas de atenção e das
posições públicas tomadas por centenas de habitantes da nossa terra, que de
modo regular lamentam o abandono em que o assunto tem sido deixado, além das iniciativas
da própria Junta de Freguesia.
Parece-nos que algo importa
fazer, quanto antes, de modo a que o pinheiro tenha ainda alguma continuação de
vida com a dignidade de símbolo da comunidade do Vale de Santarém, que lhe
dedica, há muitas gerações, um carinho muito especial, pelas razões entendíveis
que referimos. E, não esqueçamos: é uma árvore classificada “de interesse
público”.
É nesse sentido que elaboramos
este Memorando, o qual vai ser entregue a quem entendermos poder ajudar a contribuir
para a sua resolução: que é necessária; que é urgente; que é de toda a justiça.
Um símbolo da natureza, um referencial da nossa terra, como é o Pinheiro das
Areias, não pode ser esquecido, ainda mais quando passa por dificuldades. Tem
direito aos cuidados que a Lei para ele prevê; tem ainda muitos anos de vida
pela frente, para continuar a ser o símbolo vivo da nossa vila, um símbolo da
Natureza, que queremos preservar. Nesse sentido, aliás, temos levado até ao
pinheiro as crianças de escolas da terra, assim como centenas de habitantes,
participantes em caminhadas, com passagem por um dos símbolos, este ainda vivo,
da nossa terra.
Por isso, agradecemos muito, desde
já, o interesse que o assunto possa receber, e ficamos disponíveis para o que
for entendido.
A Coordenação do Movimento
Ecologista do Vale de Santarém
4 Maio 2017
Alfredo Lobato – Carlos Jorge
Calheiros – Carlos Vieira – Francisco Ferreira – Manuel João Sá – Nuno Pisco –
Pedro Adriano – Virgílio Pereira.
(Em Anexo: Fotos)
Pinheiro das Areias, antes do vendaval de 26 Fev 2016. Vale de Santarém. |
Pinheiro das Areias, após o vendaval de 26 Fev. 2016. Vale de Santarém. |
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